Alicinha terminou essa semana um tratamento ortodôntico de expansão palatal. Não foi o primeiro tratamento ortodôntico que fizemos, embora eu nunca tenha me aprofundado sobre o tema por aqui. As vezes eu prefiro esperar passar por uma situação ou experiência por completo, para só então falar no blog. Assim, eu consigo ter uma visão melhor da experiência como um todo para dividir aqui. Ou as vezes, como no caso da placa palatina de memória, eu acabo me enrolando e esquecendo de escrever o post mesmo, rs. Mas quando pintar um tempo quero falar sobre essa experiência, porque é uma alternativa muito legal também!
Voltando à expansão, tudo começou quando percebemos que a Alicinha tinha apneia através de observação e confirmada por uma polissonografia. A princípio os médicos especialistas preferiram aguardar, tentar reverter o quadro de hipertrofia através de medicamentos, e não operar. Como sei que a hipoxia desempenha um papel fundamental no atraso de desenvolvimento, e percebendo que os medicamentos não estavam sendo muito eficazes (no caso dela!), fui atrás de alternativas para complementar o tratamento e melhorar a sua respiração. Com o auxílio de posts de outras mães em grupos de síndrome de Down no Facebook, tive acesso a relatos e artigos científicos que abordavam o assunto. (Coloco alguns no final do texto). Através destes textos, entendi que a expansão seria uma opção interessante para crianças com síndrome de Down pois a hipoplasia do terço médio da face, recorrente no fenótipo da sd, promoveria uma atrofia na região como um todo, com consequências no funcionamento da glândula pituitária, por exemplo.
Cabe registrar aqui alguns pontos negativos que me desanimavam em iniciar o tratamento. Um deles seria colocar um aparelho que muito provavelmente atrapalharia e atrasaria o desenvolvimento de fala da Alice, que já apresenta um atraso evidente. Os fonemas /D/, /L/ e /N/ com certeza foram comprometidos. Espero que ela agora volte a pronunciá-los corretamente. Estou confiante de que irá. Outro fator que me deixava receosa, seria colocar um aparelho em uma criança que já estava com o espaço das vias respiratórias diminuído. Mas, no caso da ALICE, essa preocupação não se demonstrou verdadeira. Ela respira principalmente pelo nariz, e logo trocamos o aparelho com expansor por um menor (explico mais adiante), então o espaço ocupado no céu da boca era muito pequeno.
Com esses artigos em mãos, e com o incentivo da médica naturopata que nos acompanha, fui então conversar com nossa querida dentista Marisa. Ela me explicou que analisando somente o seu palato, não considerava a Alicinha uma candidata clássica para a expansão. Porém, quando expus meus argumentos fundamentados pelos artigos, ela concordou que seria interessante investigar melhor o assunto, e nos encaminhou para uma colega ortodontista. Pausa para deixar aqui todo meu amor e gratidão por profissionais que ouvem as mães, nos respeitam, e se importam de verdade com nossos pequenos. Chego a ficar com os olhos cheios de lágrimas enquanto escrevo isso, de tanto que isso me emociona.
Fomos conversar com a Flávia, que também a princípio achou que a Alice não tivesse um palato clássico candidato para a expansão, no sentido de que não era tããão alto assim, mas ao conhecer os artigos que eu levei, e ao ver o resultado da polissonografia, topou iniciarmos o tratamento. Fiquei muito feliz, eu estava muito animada em melhorar a sua respiração.
Não é fácil fazer acompanhamento de ortodontia na Alicinha. Requer bastante paciência e jeitinho. Por isso repito minha gratidão aos profissionais que exercem sua vocação com dedicação e amor. Infelizmente fazer as imagens e raio x não foram possíveis, os aparelhos não me pareciam adequados para a faixa etária e tamanho dela… Foi um tanto traumático e frustrante ficar tanto tempo tentando fazer as imagens, sem sucesso. Por sorte tínhamos algumas imagens recentes, que acabaram servindo de referência para iniciar o tratamento. Não era o ideal, mas já era algo.
Voltamos à ortodontista e iniciamos a moldagem, que sempre é um drama a parte. Como Alicinha – por questões de linguagem, processamento auditivo, etc. – às vezes demora mais a compreender ordens e seu interlocutor, fica tudo um pouco mais complicado. Mas com jeitinho conseguimos, e então o aparelho começou a ser feito. Eu conversei com a Flávia, e perguntei se poderíamos fazer um aparelho dois em um, com um estímulo semelhante à placa palatina de memória anexado, e ela topou o desafio. Ah, vale comentar que o método de expansão que escolhemos, com base na literatura de apoio agrupada, foi a expansão rápida de palato, feita em um mês com retenção de seis meses após a expansão.
Enfim, depois de uma semana voltamos e colocamos o aparelho. Ela estranhou bastante, teve muita dificuldade para se alimentar e passou a babar muito. A fonoaudióloga que nos acompanhava na época, a querida Maeve, nos explicou que era o reflexo normal de ter um objeto estranho ali no céu da boca, e que passaria em alguns dias. Eu fiquei muito apreensiva, pois a Alicinha nunca tinha tido esse problema. Porém, de fato depois de duas semanas ela já não babava mais. No entanto, este estímulo similar à placa palatina de memória não estava sendo eficaz, pelo contrário, parecia que a Alice estava projetando ainda mais a língua com ele. Além disso o detalhe era meio chatinho de limpar, acumulando resíduos.
Com o tempo a pequena acostumou-se a mastigar, sugar canudo e dormir com a placa. Assim que ela habituou-se, passamos então a ativar a chave para fazer a expansão… O que foi uma novela a parte. Pensa numa coisa difícil pedir para a pequenina abrir bem a boca para encaixarmos a chave e girarmos o aparelho. Ela não colaborava muito e ficava bastante assustada. Depois de duas semanas ela foi se acostumando um pouco e chorando menos, mas ainda assim era um momento muito estressante. A gente tinha dificuldade principalmente na hora de tirar a chave sem desfazer o movimento de expansão. Depois de 30 dias havíamos terminado a função! Ufa. Agora iniciava a parte “mais tranqüila”, que seria basicamente manter a placa por alguns meses até o trecho expandido não correr o risco de retornar. Parte tranqüila que nada! Durante esses meses a plaquinha caiu várias vezes, causando bastante dor de cabeça. Para vocês terem ideia, só na primeira semana do ano fomos 5 vezes na dentista, algumas destas vezes inclusive em caráter de urgência. (Dia primeiro a plaquinha caiu de um lado e ficou emperrada na boquinha dela! Tadinha, levou o maior susto). Falando nisso, na primeira vez que a placa caiu já pedi para a Flavia retirar o estímulo ppm que não estava sendo muito eficaz.
Sei que alguns podem pensar, “nossa que cedo que ela optou por fazer esse tratamento”! Mas gente, ficar sem respirar apropriadamente é uma coisa muito séria. Ficar sem dormir bem, nessa idade, é muito serio. Então eu procurei dar atenção para isso mesmo. Algo muito válido, especialmente se for com alternativas não invasivas, como mudanças positivas na dieta.
Em uma outra vez que o aparelho caiu aproveitamos também para tirar o trecho que ia o expansor de fato, ficando apenas uma estrutura fixa nos dentes, garantindo o trabalho feito. Esse último aparelho ficou super discreto e pequeno, e até aliviou meu stress em terminar logo o tratamento. Só incomodava quando ele começava a ficar um pouco solto, desencadeando períodos de bruxismo mais acentuado nela.
Quando eu finalmente parei de contar os dias para terminar o tratamento, chegou a data de tirar o aparelho. Quer dizer, quatro dias antes o aparelho soltou sozinho, inteirinho, sem machucá-la, e chegamos num consenso de que não valia a pena colocá-lo de novo só por estes poucos dias. Fomos na consulta de retorno para remover o restante de cola nos dentes e fazer uma limpeza. Em três meses voltamos lá para avaliar como está a expansão.
Eu não refiz a polissonografia após o tratamento, pois logo decidimos por operá-la. Ela aparentemente está dormindo melhor, apesar de não estar ainda com um sono ótimo. Outros pontos positivos que botamos foram: Ela está com um posicionamento melhor da língua. Diminuiu muito a projeção que ela fazia da língua para fora. Acho que de todos os esforços que fizemos nesse sentido esse tratamento foi o que mais trouxe resultados. Vou até mostrar umas fotos de como era e de como ela está. Seus dentes continuam bem amontoadinhos, mas estão mais alinhados e menos tortos, e tive impressão que a abertura de espaço proporcionou que eles crescessem mais. Como consequência do alívio na pressão da glândula pituitária, ela parou de fazer xixi a noite e cresceu consideravelmente, para seus parâmetros. Em três meses após a expansão cresceu cinco centímetros, ganhou meio quilo, meio cm de perímetro cefálico, e um número de sapatos. Pode parecer pouco, mas para os parâmetros dela, que passava por vezes meses estacionada sem crescer, é inacreditável.
A moral da história é que foi uma experiência bem difícil, mas que teve saldo positivo. Minha dica para quem se interessou, é fazer um livrinho explicando o processo com linguagem acessível. De repente brincar fingindo ser uma dentista com uma boneca. Ir brincando com a criança de abrir a boca quando você pedir. Enfim, ir preparando a criança aos poucos para o tratamento. Inverta os papéis, deixe a criança brincar que é a dentista, mostre vídeos de crianças no dentista, etc.
Meu Deus que post enorme! Mas faço questão de contar toda nossa experiência aqui, pois isso pode ajudar outras famílias a passar pelo mesmo trajeto de maneira mais tranqüila, sabendo dos percalços que podem surgir e já se preparando para atenuá-los. Estou à disposição caso queiram tirar mais dúvidas sobre a experiência, dentro do que eu puder ajudar com meu ponto de vista de mãe.
Mais informações:
Post 01 e Post 02 do Blog Down Syndrome Action Plan.
Déficit de Atenção e Apneia – Weston Price.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16008071
Maxillary expansion therapy in children with Down syndrome.
A four-year longitudinal study of palatal plate therapy in children with Down syndrome: effects on oral motor function, articulation and communication preferences.
Conclusion: After 4 years of palatal plate therapy, orofacial function had improved significantly in the 9 PPG children and specifically in terms of tongue position and lip activity. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12635780
Orofacial development in children with Down’s syndrome 12 years after early intervention with a stimulating plate.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14749890
Sleep-disordered breathing in Down syndrome.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25644910