“A Alice te escolheu Carol. Lá de cima. Olhou pra baixo e pensou: É aquela ali que eu vou escolher como mãe, e ensinar que a vida não é só trabalho”. Minha amiga Loisiana repetiu isso para mim algumas vezes durante minha gravidez, pois acompanhava de perto minha rotina workaholic. O que a gente não imaginava é que Alice viria pra me ensinar muito mais que isso.
Na maternidade.
Eu sou super controladora, daquelas que já estava planejando o que a filha ia fazer no vestibular antes mesmo dela nascer. Queria que ela nascesse em setembro, num domingo de sol, em um parto natural, na água e sem analgesia nenhuma (como se pudéssemos realmente controlar essas coisas).
Mas no dia 29 de agosto, em uma quarta feira chuvosa, descobrimos que a nossa pequena precisava de uma cesárea de emergência durante um ultrassom de rotina. Mais tarde descobriríamos que este exame salvou sua vida: mais alguns dias e ela não teria resistido. Do consultório do obstetra seguimos direto para a maternidade, passando rapidamente em casa somente para pegar a malinha da Alice.
Bunhé!
Eu estava muito nervosa mas a presença do Thomas ao meu lado foi fantástica. Estava emocionada em tê-lo do meu lado e mal viamos a hora de conhecer nossa pequena. Por estar sendo acompanhada por um obstetra a favor do parto humanizado, ele fez questão de abaixar o pano para me mostrar a Alice nascendo.
Surreal.
Foi a primeira coisa que pensei e falei ao vê-la nascendo. Foi uma emoção tão grande, que mal coube dentro de mim. Ela estava chorando muito, e bem inchadinha. Achei ela muito engraçadinha, bem diferente do que eu havia imaginado, mas me apaixonei imediatamente.
Cabelinho do Neymar.
Durante a madrugada, acordei e observei minha filha com mais calma, e achei os traços dela um pouco diferentes. Apesar de eu ter os olhos puxados, os dela pareciam ser mais puxadinhos ainda. Uma desconfiança bateu, mas logo eu pensei: não é possível, afinal fizemos milhões de exames e ultrassons, e nenhum apontou absolutamente nada. Imaginei que provavelmente ela estava inchada e que logo aquilo passaria. Dormi.
Um minuto antes de darem a notícia.
No dia seguinte, tomei um banho, coloquei meu pijama novo e me maquiei. Queria ficar linda e disposta para minha filha. No início da manhã a enfermeira e a pediatra de plantão nos visitaram no quarto. A pediatra refez o teste de Apgar na Alice, que repetiu a nota 9/9 da noite anterior. CDF como a mãe, eu pensei, rindo. Eu estava a tirar mil fotos e fazer mil perguntas quando a Pediatra nos olhou seriamente e falou:
“Eu não sei se já comentaram com vocês, mas a filha de vocês apresenta fortes indícios de ter síndrome de Down.”
Assim como a Alice do Lewis Carrol me vi caindo num buraco sem fundo, perdendo o chão por alguns segundos. Logo em seguida, com um nó enorme na garganta perguntei se ela tinha certeza, qual era a probabilidade matemática do que ela estava falando, se existia alguma chance dela estar enganada. E lembro de olhar para meu marido, suando frio ao meu lado, também muito abalado com a notícia.
O narizinho mais lindo do mundo.
Minha reação seguinte foi a de reagir. Vamos enfrentar isso, bola pra frente, vamos ter força. Mal sabia do dia desafiador que me esperava. Sim, pois muito mais desgastante que receber a notícia, foi contá-la a todos os nossos parentes e amigos próximos. Para minha surpresa, a maior parte das pessoas recebeu a notícia com naturalidade e carinho. Mas ainda assim o dia foi muito cansativo, provavelmente o mais difícil de toda minha vida.
Eu me sentia dentro de um carro andando sem rumo, com um GPS berrando: RECALCULANDO… RECALCULANDO… RECALCULANDO… RECALCULANDO. Lendo o blog de outros pais que passaram pela mesma situação, ouvi falar também sobre o “luto do filho idealizado” (que na realidade todos os pais vivenciam, mas no caso de pais de um filho especial é um luto mais seco, evidente e imediato). Outra analogia que descreve perfeitamente o que eu sinto no momento é a do texto abaixo:
Bem-vindo à Holanda
Sempre me pedem para descrever a experiência de ter uma criança com uma inabilidade – para tentar ajudar aquelas pessoas que não compartilharam dessa experiência original, para que possam compreender como se sentiriam. É como esta imagem:
Quando você está indo ter um bebê , é como planejar uma fabulosa viagem de férias à Itália. Você compra um guia de viagem e faz planos maravilhosos. O Coliseum, o David de Michelângelo, as gôndolas em Veneza. Você aprende algumas frases acessíveis em italiano. É tudo muito emocionante! Após meses esperando ansiosamente, o dia chega finalmente. Você faz suas malas e vai. Muitas horas depois, o avião aterriza. O comissário de bordo entra e diz: Bem- vindos à Holanda! Holanda?Você disse Holanda, o que significa bem-vindo à Holanda? Eu comprei uma passagem para a Itália! Eu só posso imaginar que eu estou na Itália.Toda a minha vida eu sonhei em ir para a Itália! “Mas é que houve uma mudança no curso do vôo”. Chegamos na Holanda e aqui você deverá permanecer. A coisa mais importante é que não te levaram para um lugar horrível, repugnante, sujo e cheio de doenças. É apenas um lugar diferente .
Assim você deve ir comprar novos guias de viagem. Você deve aprender uma língua inteiramente nova. Você vai encontrar-se com novos grupos de pessoas inteiramente novos que você nunca pensou em encontrar. É apenas um lugar diferente.
O progresso é mais lento do que na Itália, menos ofuscante do que Itália. Mas depois você olha em torno, trava a respiração e começa a observar que a Holanda tem moinhos de vento, a Holanda tem tulipas, a Holanda tem até mesmo Rembrandts. Mas todo mundo que você conhece está ocupado indo e vindo da Itália e se vangloriam sobre o tempo maravilhoso que eles tiveram lá. E para o resto de sua vida, você dirá, “Sim é onde eu sonhei ir. O lugar que eu tinha sonhado em ir.”
E a dor daquela vontade você nunca perde, você sente sempre, porque a perda desse sonho é uma perda muito significativa. Mas se você passar a sua vida inteira lamentando o fato de que você não foi à Itália, você nunca estará livre para apreciar as coisas muito especiais e encantadoras da Holanda!”
Escrito por Emily Perl Kingsley (e encontrado através do blog do Bernardo)
Desculpem o post imenso. Acreditem, ele foi absurdamente resumido. Ainda estou me acostumando com essa nova vida, e admito que de tanto em tanto eu me pego pensando na “Itália” e como as coisas seriam bem mais fáceis lá. Mas então eu respiro fundo, sinto o perfume da minha tulipinha amarela, e sigo em frente, feliz.
Obrigada, Alice. Obrigada por ter escolhido eu e o Thomas para sermos seus pais. 🙂
O trio.
Obs 01: Este não é um blog sobre síndrome de Down. Para quem quiser entender mais a síndrome, existem vários sites e blogs especializados sobre o assunto, que podem esclarecer melhor sobre o tema. Este é um blog sobre um casal e sua filhinha muito especial, suas aventuras, descobertas e conquistas. Lógico que falaremos sobre SD diversas vezes aqui, mas também sobre várias outras coisas, mesmo porque nossa filha não se resume somente à esta ou aquela condição.
Obs 02: A mamãe aqui anda numa correria com as fraldas sujas, que não teve tempo de bolar um nome decente legal para o blog. Alguma sugestão? 🙂