“O que importa é ouvir. A voz que vem do coração. Pois seja o que vier, venha o que vier.” (Canção da América).
Eu recebo tantas mensagens legais pelo blog ou pelo facebook. Do meu jeito meio atrapalhado, tento na medida do possível responder a todos. Mas recentemente recebi uma mensagem tão especial que logo me chamou a atenção. Na mensagem a pessoa contava sobre como tinha já perdido dois bebês, sobre sua família, e sobre como estava pensando adotar uma criança com síndrome de Down. Ela gostaria de conversar comigo para amadurecer essa decisão de forma consciente.
Que responsa!
Fiquei um tempo pensando, caramba, como responder uma mensagem dessa? Depois eu me toquei: eu não sabia responder como seria adotar uma criança com síndrome de Down porque eu não passei por essa experiência, e que seria muito mais coerente convidar alguém que tivesse vivido isso para me ajudar a responder. Logo lembrei da minha querida amiga Juliany, que adotou o Ber há 4 anos, e a chamei para escrever um post-resposta aqui no blog. 🙂 A ideia era que ela desse um pequeno depoimento, mas a July foi além e escreveu um texto lindo. Então bota “Canção da América” pra ouvir, prepara o lenço, e vem conhecer a história desses dois.
“Eu gosto de me expressar, falando ou escrevendo. Falo muito, falo rápido, falo de tudo, falo sem medo, falo sem filtro de saída. Sou inclusiva reconhecida por isso. A “louca”. A “desbocada”. A “sincera”. A que “fala na cara e fala mesmo”.
Não saberia dizer porquê. Acho que a aura de nobreza que envolve a minha atitude, aos olhos dos outros, me desestimula. Não usaria meu filho pra atiçar minha já enorme vaidade, até porque não vejo nobreza no nosso amor, acho ele tão natural e comum que não merece nenhum destaque. Ninguém ganha “ooohhh” por ter filho, por que eu deveria ganhar?
Mas eis que uma mulher que já perdeu duas gestações escreveu pra Carol dizendo que sentia em seu “coração um enorme desejo de adotar um bebê com SD” e que gostaria de conversar “para amadurecer esta decisão de forma consciente”, então achei que esse seria um bom motivo pra escrever sobre esse assunto. Não vou escrever o que o meu filho significa pra nossa família ou sobre a nossa rotina porque senão viraria um livro, então vou focar apenas na questão da adoção e da síndrome, pra atender esse pedido tão especial.
Eu sempre soube que teria filhos adotivos. Quando eu vi a propaganda do Milton Nascimento* pela primeira vez, chorei por dentro. Em 2008 convidei minha irmã e meu cunhado pra batizar meu filho adotivo, filho esse que só nasceu em 2011. Uma coisa eu digo: se você sente que terá um filho adotivo, você já tem um filho por aí. Talvez ele ainda não tenha nascido mas talvez ele já esteja te esperando e – acredite – sentindo o mesmo. A questão é se entregar ao destino e ir procurar seu filho, sem medo desse amor e, principalmente, sem fantasiar como ele será. E quem já adotou sabe do que estou falando: é seu filho. Punto e basta! Nunca “filho adotivo”. É FILHO. Só. A identificação é imediata. Você vai saber quando encontrá-lo, confia em mim. É só seguir o coração, conhecer abrigos, e num belo dia, vocês se reconhecerão, pelo olhar e pelo amor. Quando peguei o Bernardo nos braços, lá na maternidade onde foi deixado pra me esperar, fui capaz de sentir as endorfinas pós parto no sangue. A tempestade de ocitocina, o amor fervendo nas veias, a garra de ir pra justiça lutar por ele, roubá-lo se fosse preciso. Porque era MEU FILHO e, como mãe, era meu dever fazer por ele tudo que fosse preciso.
Mas nunca imaginei como seriam meus filhos “de coração” (sim, eu sei que o Bernardo não será o único), só tinha uma certeza: não teria coragem de adotar uma criança com algum “problema”. E eu sei disso porque em 2010 conheci um casal num fórum espírita que tinha uns 5 filhos adotivos, todos com alguma deficiência ou doença. Down, autista, soropositivo, cego, cadeirante… tinha “de tudo” naquela casa. Achei a história deles belíssima e mandei um email elogiando o casal pela coragem que eu não tinha. Mas o amor faz a gente perceber que a diferença entre o que se deseja e o que se faz é o primeiro passo. E quando o Bernardo chegou, a caminhada começou de forma tão simples e natural que a expressão “dança da vida” nunca foi tão pertinente.
Como eu tinha a preocupação imediata de conseguir ganhá-lo na justiça eu meio que nem percebi a SD como questão. Eu precisava tê-lo, o resto eu resolvia depois. “Ele vai exigir muitos cuidados, você entende isso?” Óbvio que entendo, você não cuida do seu filho também? “Ele trará gastos com fonoaudióloga e fisioterapeuta”. Ué, e você não gasta com aula de inglês e natação? Minha vontade era resumir qualquer conversa questionando minha decisão com um “cala essa boca, não vou abortar meu filho já nascido porque você acha isso ou aquilo, me dê parabéns e sai da minha frente que eu tenho uma batalha pra ganhar”. Pra minha sorte como mãe do Bernardo – e hoje em dia, decepção enquanto “mãe adotiva” – a maioria dos casais inscritos para adoção colocam no formulário que não aceitam crianças com nenhuma doença física ou mental. Eu não sei onde os casais que engravidam assinam tal formulário, e até que ponto essas pessoas estão procurando por crianças pra criar e não por filhos para amar. Mas, tendo em vista meu passado, até os entendo, embora hoje eu saiba que eles estão enganados. Mas isso é papo pra outra conversa.
Lógico que, assim que a guarda saiu, o fato de ele ter SD surgiu. As preocupações, os cuidados, a rotina de consultas, exames, leituras. Às vezes dá um desespero do tipo “Meu Deeeeuuusss, não dou conta, estou negligenciando meu filho, sou péssima mãe!!!”. Mas aí me pego dando bolacha em vez de insistir na fruta pro meu outro filho e penso a mesma coisa. Então, no “frigir dos ovos”, não tem filho com ou sem síndrome. Tem filho, cada qual com suas peculiaridades que os tornam únicos, necessidades a serem atendidas e dificuldades pra serem superadas.
Posso dizer que somos uma família como qualquer outra. Exatamente igual. Mesmas crises, mesmos problemas, mesmas alegrias e o mesmíssimo amor. E sempre incentivo quem sente esse “chamado”, essa necessidade por construir um lar, que vá atrás desse sonho. Tire o foco das dificuldades, foque nas realizações, porque elas invariavelmente virão. Porque a família propaganda de margarina é feita pelo o que a gente sente, constrói e vive, e não pelo o que a gente aparenta, muito menos pelo o que pensam de nós.
Mas… fala a verdade aí: até que a gente aparenta super bem, você não acha? 😉
*Propaganda em que ele fala que algumas pessoas falam que crianças adotivas dão mais trabalho, mais problemas, mas que um filho adotivo pode trazer grandes alegrias – e aparece ele ganhando o Grammy. 😉